sábado, 30 de dezembro de 2017

Morte em vermelho


Não matarás, já dizia o mandamento.
Mas isso vale para tudo, tudinho mesmo?
Vale até para um pernilongo que zune em meus ouvidos às 02h37 da madrugada?
Vale para esse ínfimo inseto que encontro de novo às 7h da manhã no banheiro do hotel e que insiste ainda em zunir impaciente, inquieto voando sem descanso pelo espelho, pelo box, pelas paredes?
Penso durante um segundo, e o tempo parece curto, é verdade, mas meu instinto... seria ainda instinto animal da época em que matávamos por necessidade? Ou seria uma vingança infantil e tola? Não sei.
Mas decido matá-lo e depois, não sei se me sinto culpada, se deveria ter pensado noutra solução. Como o tiraria do banheiro, por exemplo, para o soltar na "natureza"? Seria isso possível? Ele não voltaria? Não é sua sina, seu instinto procurar por alimento? Satisfazer sua sede de sangue?
Bom, o sangue, este mesmo, talvez meu, talvez dele, manchou de vermelho a já vermelha sola de meu chinelo.
Gosto de vermelho.
Foi tudo muito rápido, ele voando inquieto, parecendo perdido, desnorteado atravessou o caminho de meu chinelo no ar e caiu no chão, próximo a parede; confesso que meu olhar 'assassino' não é dos melhores (embora a mira seja muito boa), então não soube reconhecer de imediato se o tinha acertado. Vi no chão um corpinho estranho e para ter certeza de que tinha acertado minha vítima (ou seria meu algoz? Que lembrem, zuniu em meus ouvidos, me acordando de madrugada e estava sedento por meu sangue), pisei nele com o mesmo chinelo que o acertara no ar.
Constatei aliviada que se tratava do corpo morto, quando, já com o chinelo em minhas mãos novamente, vi a mancha vermelha, a pequenina mancha vermelho escarlate que coloria ainda mais de vermelho meu chinelo da mesma cor.
Já disse, gosto de vermelho.
BCC
30.12.2017

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O amor me pegou de surpresa


O amor me pegou de surpresa.

O amor me parou na rua, olhou em meus olhos e, sem dizer uma só palavra, disse tudo o que eu precisava ouvir.

O amor me mostrou que ele não tem face, tampouco corpo ou forma humana.

O amor apareceu nos olhos e no balançar de rabo de duas cachorrinhas, apareceu no sorriso de surpresa de uma criança, no choro da mais linda pessoa do mundo.

O amor se mostrou no silêncio e na presença dele, nas mensagens e compartilhamentos, no coração de uma mulher, na aceitação de um homem.

O amor me visitou de forma arrebatadora e me causou nó na garganta, mas o amor é bom, ele mesmo me disse, não pode fazer doer, então o amor chamou alguém, alguém especial que pudesse ajudar, ajudar o amor a amar...

O amor chamou a fé e ela veio, veio tímida, mas potente, pediu-me para mostrar seu poder, sua força, mas explicou que só poderia crescer em terreno fértil, a fé pediu-me para entrar em meu coração. 
Deixei meio sem jeito no início, mas ela é incrível, de braços dados com o amor me deu o maior e melhor abraço do mundo, e eu que sou louca por abraços me rendi e entendi.

Ainda vacilo às vezes, é verdade, mas ela e ele estão sempre comigo, me ensinaram a respirar e a olhar para dentro, a olhar para o céu, para os olhos do mundo e ver que está tudo bem, que é só abraçar e ser abraçado de volta de verdade, que os nós na garganta, as lágrimas nos olhos existem e vez por outra ainda hão de voltar, mas que irão embora também, porque ele, ela e eu estamos juntos e isso é tudo.


18.12.2017
BCC

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Perdoa-me por me traíres - cartas de amor - final


IX.

Meu amor, fico feliz que esteja tentando e tenho certeza que conseguirá, você é muito especial. Quanto ao teu perdão, não me senti ofendido contigo, pois acredito que fui o maior “culpado” da traição. Fui eu quem não percebeu sua angústia, fui quem te amou demais e ao mesmo tempo não conseguiu enxergar que você estava infeliz, quando na verdade, a felicidade da pessoa amada é coisa fundamental. Sinto como se o meu amor por ti me bastasse a mim e eu com ele me esqueci de te olhar, de perceber como você estava. Por isso é que sempre te peço perdão, e gostaria muito que refletisse sobre isso e que se possível me perdoasse, falhei em meu amor, falhei contigo por não te ver e isto é muito grave em um relacionamento.

Perdoa-me por me traíres.

De quem te ama do fundo da alma e por toda eternidade te amará.

X.

Compreendo agora o que quer dizer, você também pode ter tido uma parcela de culpa, mas não foi o maior culpado. Tivemos ambos responsabilidade sobre nossa relação e o fim dela, você quando me amou demais e deixou de me ver, enxergando apenas o seu lado, e eu por ter sido fraca e não ter admitido para mim e para você que já não poderíamos mais permanecer juntos, e ter deixado a traição acontecer.

Te perdoo querido de todo meu coração, pois descobri em mim o início de um sentimento maravilhoso: eu te amo, não o amor romântico de outrora, mas um amor pelo ser humano incrível que você é. Sinto que a cada dia venho exercitando a gratidão pela vida e o amor por tudo, ainda, às vezes é difícil para mim, mas venho progredindo e só posso te agradecer por isso, você sempre foi muito generoso e tudo o que vivemos juntos e agora tudo que você me escreveu está me ajudando muito a me tornar uma pessoa melhor, a viver mais em paz, com leveza e, sobretudo, com amor.

Obrigada querido, tenho certeza que tem um caminho iluminado a frente. Espero que continue sendo essa pessoa maravilhosa repleta de amor e de luz.

De quem te ama do fundo da alma e por toda eternidade te será grata.



BCC

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Sobre pessoas e orangotangos



Olhei para você e te amei
Vi seus olhos e me encantei
Seu sorriso me comove
E me leva aonde jamais estive
Olhei para você e te amei
E eu nem sei bem o porquê
BCC
24.11.2017

Perdoa-me por me traíres - cartas de amor - parte IV


VII.

Minha querida, o amor não se entende, se sente. E ao senti-lo, sente-se também a liberdade, isso porque só se pode amar verdadeiramente alguém, se se ama a vida. O amor do qual falo ultrapassa o amor romântico, muito embora para sentir esse último com qualidade é preciso sentir o amor universal - o amor pela vida e por todos os seres que fazem parte de tudo isso. O amor faz bem a quem ama, sinto-me bem te amando e compreendo hoje, depois de muito sofrer, que te amo como ser humano que somos e não mais como minha grande amada, ainda que às vezes isso me machuque um pouco, pois por muito tempo desejei ser seu grande amor, mas nem sempre as coisas são como gostaríamos não é mesmo querida?

Mas peço-te de coração que não fique amarga, não pense no amor como prisão, este sentimento sentido de verdade é o que de mais nobre o ser humano pode se aproximar, não caia nas armadilhas mundanas, nos amores passionais, e tampouco fique frustrada, achando que não poderá amar verdadeiramente alguém, ame-se minha querida, ame-se em primeiro lugar (demorei para aprender isso, mas é algo essencial), ame depois a vida que tem, ame a natureza, o universo, perceberá que amará também aos seres humanos apesar de todas limitações e todos os vícios que ainda existem na humanidade. Poderá então encontrar alguém com quem partilhar suas experiências ou não encontrar, não há problema nisso, pois não se sentirá sozinha nunca, sentindo o amor do universo.

Isso é tudo o que posso dizer, desejo de coração que fique em paz e que ame, simplesmente ame.

Perdoa-me por me traíres.
De quem te ama do fundo da alma e por toda eternidade te amará.


VIII.

Desculpe-me por parecer ingrata e até mesmo inconveniente, agora vejo o quanto você conseguiu crescer com tudo com o que passamos e como ainda estou longe de sentir esse amor tão lindo, vislumbro agora a nobreza deste sentimento universal do qual falou e desejo de todo coração senti-lo algum dia. Estou me esforçando para entender e amar a mim mesma, mas confesso que está muito difícil, não consigo me perdoar por ter feito o que fiz e não consigo entender seu sempre pedido de perdão, fui eu que te traí, sou que devo pedir perdão e não o contrário.

Sempre foi difícil para mim, quando te conheci te achei perfeito e pensei que jamais pudesse conquistá-lo, mas o contrário aconteceu e você se apaixonou perdidamente por mim, eu te amei também, mas com o tempo algo começou a me incomodar e eu nunca soube o que realmente era. Eu sentia vontade de conversar contigo de tentar entender, mas sempre você surgia com alguma surpresa ou algo maravilhoso e eu perdia a coragem de dizer que... que talvez meu amor não fosse suficiente, que eu não te amava tanto assim e com o tempo fui me sentindo mais culpada por não retribuir seu devotamento, comecei a me sentir mal, destruída por dentro e faltava força para te encarar, para me separar, para reverter a situação. Foi quando conheci alguém e em seu olhar me senti mulher de novo, como se eu pudesse recomeçar, deixar aquela parte velha destroçada por não saber te amar e partir para um novo caminho.

Depois, de ficar com ele, no entanto, me senti extremamente fraca e a culpa multiplicou-se em meu coração, jamais podia ter feito aquilo com você, nunca achei certo isso, mas com você parecia ainda pior, logo você, um homem que sempre me amou que me tratava com respeito, carinho, ética...
Sou eu que tenho que te pedir perdão, perdão por não ter tido coragem o bastante para dar um fim naquela situação e evitar sofrimentos e constrangimentos ainda maiores.

Perdoa-me por TE traíres.

De quem foi fraca, mas que está tentando se melhorar e se amar.

Continua...

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Perdoa-me por me traíres - cartas de amor - parte III


V.

Meu amor, você não entende, pois ainda não encontrou seu amado, não encontrou alguém que te faça enxergar o mundo de maneira diferente, alguém que te faça compreender o sentido da vida. Ainda não encontrou o amor verdadeiro. Dói-me dizer-te isso, porque eu queria ser teu amor, ah, como eu desejei isso, mas não se pode forçar o coração, o amor romântico esse que sinto ainda por ti, é tão imprevisível e imperativo como uma criança.
Por isso mesmo não deve se sentir culpada por não ter conseguido me amar como eu te amei e amo ainda, já disse e repito se há um culpado em tudo isso, este sou eu. Hoje vejo o quão errado e imaturo fui ao tentar te prender a mim, a tentar forçar-te a me amar mais do que podia. Você se sentiu presa, acanhada, era natural que tentasse se libertar que fizesse algo só seu, que mostrasse a você mesma e também a mim que você era dona de suas decisões. Eu te entendo e talvez fizesse o mesmo em teu lugar, portanto, peço-te que não se culpe e que por favor ao menos tente, tente perdoar-me. É o que mais quero além da sua felicidade.
Perdoa-me por me traíres.
De quem te ama do fundo da alma e por toda eternidade te amará.


VI.

Ah! Como quero sentir algo assim como você sente e ao mesmo tempo nunca o sentir. Deve ser horrível viver em função de outra pessoa, acordar e dormir pensando nela... eu que sempre prezei pela minha liberdade, não a teria. Chego até mesmo a sentir uma espécie de pena de você (não sei bem se é este o sentimento), não que eu me considere melhor, pelo contrário, parece que você está acima do bem e do mal, que consegue enxergar coisas que os outros não veem. Não, eu não gostaria de estar em teu lugar, perder minha liberdade, perder quem eu sou em função de um outro alguém, sentir-me presa, deve ser terrível. E você ainda diz que o amor, esse amor romântico é maravilhoso, só se acredita que a prisão seja uma maravilha... não, isso não é para mim, não quero ser presa ao amor. Não, definitivamente não, obrigada.

De quem nunca entenderá nem a você nem ao amor.

Continua...

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Há 26 anos...


Há 26 anos nascemos ela e eu. Eu nasci como sua filha, ela nasceu como minha mãe, e ser mãe é sem dúvida a missão mais linda que ela exerceu, exerce e exercerá por muito tempo. Acho que em verdade, ela não é só minha mãe, ela é mãe de muitos. Explico, ela o tipo de pessoa que todos deveriam e gostariam de ter por perto, é do tipo que move montanhas para te ajudar, que tira a própria roupa para não te deixar com frio, que passa fome para que você não passe.

Ela o tipo raro, raríssimo de pessoa que ama incondicionalmente, o tipo de pessoa para qual não há dificuldade, nada, nada mesmo é impossível. Ela está sempre pronta, disponível para o que precisar, ela é aquela pessoa que você sempre pode contar, que sempre terá uma palavra amiga, um conselho, um sermão, ela é aquela pessoa que tem mil braços, que carrega tudo, que tem a força de um touro, um não, vários, mas que tem a delicadeza do melhor cafuné e carinho do mundo, aquele tipo de pessoa que mesmo sem ter recebido o bem, o amor, a paz e o reconforto faz questão de transmitir tudo isso a quem encontra.

É o tipo de pessoa que não existe, se não nos nossos sonhos mais lindos e iluminados, e por falar em luz, além de tudo isso, ela leva luz aonde vai, nenhum lugar consegue ser sombrio com ela por perto, ela é o tipo de pessoa que te faz rir, que te faz chorar de tanto amor, é aquele tipo raro que você quer guardar em um potinho, um não, muitos, porque você quer multiplica-la para nunca a perder. Não, você nunca nunca vai querer perde-la. Ela é o tipo de pessoa que não se perde, é o tipo que ajuda a você se encontrar, é como uma estrela guia, como um farol que ilumina o caminho de quem passa por ela.

E ela é assim com todo mundo, não só comigo que nasci da sua barriga, que escolhi sua alma para ser minha melhor amiga a mil anos atrás. Ela é incrível com todos, e isso a torna ainda mais incrível e rara. Mas eu tenho a sorte, a sorte grande de ter nascido a 26 anos nela, com ela, por ela. Ela também nasceu como minha mãe, e não sei se ela era tudo isso antes ou se aprendeu com esse amor maior que é ter um filho a ser mãe, não só minha, mas de muitos.

Não importa, em verdade, quando foi que ela se tornou o que ela é, importa ela ser assim, importa ela se perceber assim, se amar assim, se entender assim.  E se valorizar, porque sem ela, eu não estaria aqui, porque sem ela o mundo seria um lugar menos bom, muitas pessoas não teriam em quem se inspirar, eu não teria quem amar desse jeito, não haveria tanta alegria, tudo seria deixado para depois, e depois não existe. Nada então existiria como é. Sem ela o mundo perderia parte de sua graça e encanto.

Há 26 anos, nascíamos ela e eu, e como sou grata por isso, como agradeço ao universo, como agradeço a ela, ao meu paizinho querido, ao encontro de alma dos dois, ao nosso encontro de alma de família, família linda que eu mais amo no mundo.

Que nosso amor seja infinito, assim com o dia em que eu nasci no mês das flores, num dia de sol que brilha como ela.


07.11.2017 um dia antes de nascermos.
BCC

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

An angel flies


An angel flies
BCC


An angel flies
in the sky
watching you
In everything you do
protecting you
being by your side
an angel is there
He prays for you
he blesses only you
Whenever you need
he will be there
he is your friend
An angel is there
just for you
Blessing you
watching you
protecting you
An angel is there
flying in the sky
You are the why
                               He is there
                               just for you
                                              you
                                                    you, you, you



Perdoa-me por me traíres - cartas de amor - parte II



III.

O único que falhou fui eu, falhei por te amar demais, não quero, portanto que se sinta culpada. Não pude fazer-te feliz e esse era e ainda é o maior desejo – que tu encontres a felicidade, seja com quem for. Percebi que mais importante que o amor correspondido, é a felicidade da pessoa amada, custei para entender isso, mas tudo tem seu tempo, não é mesmo minha querida?!
Fique em paz, e perdoa-me por te fazer sofrer.
Perdoa-me por me traíres.
De quem te ama do fundo da alma e por toda eternidade te amará.


IV.

Não, não, não vou te perdoar por ter te traído, nunca. Este seu pedido é o maior absurdo do mundo, senti-me a pior pessoa por ter feito isso, e ainda me sinto tão mal. Como você pode pedir uma coisa dessas? Como pode ser tão compreensivo, como pode continuar me amando depois de tudo? Como?
Eu não consigo entender, não consigo...

De quem é incapaz de te compreender.

Continua...

domingo, 22 de outubro de 2017

Perdoa-me por me traíres - cartas de amor - parte I


Perdoa-me por me traíres – cartas de amor

Nelson Rodrigues em sua genialidade brasileira escreveu em 1957 uma peça de teatro cujo nome utilizo neste conto: “Perdoa-me por me traíres”, explico o porquê: quando há certo tempo li sua obra, muito me chamou atenção tal sentença que dá o tom da peça, muito embora a história criada por Nelson vá além dessa ideia, como anjo pornográfico, como ele mesmo se denominou, o autor vai por caminhos complexos e demasiadamente humanos com seus personagens.

Não é isso o que faço aqui. Meu conto, portanto, de Nelson, só tem a referência do nome, o que não é pouco, pois a história redigida em cartas sem remetentes aparentes, mas com destino certo, trata sobretudo do amor a partir dessa que considero uma célebre frase que o querido autor nos presenteou – perdoa-me por me traíres.


I.

Eu te amo, sempre te amei e para sempre te amarei.
Meu amor, contudo, não foi suficiente, não foi suficiente para te fazer me amar assim como eu te amo, para me fazer teu ar, a razão de tua vida, para completar teus pensamentos, para viver contigo por toda eternidade. Meu amor não foi suficiente para te fazer feliz, para me fazer feliz ao seu lado, não obstante, não te culpo, a culpa – se é que há culpa – é toda minha, o meu amor afinal é que não foi suficiente.
Peço-te, pois, perdão. Perdão por te amar tanto e não conseguir compartilhar esse amor. Perdoa-me por não te ter feito feliz – esse era o meu maior desejo. Perdoa-me, meu amor, por não te fazer me amar, por ter falhado - nessa que eu considerava minha maior missão – amar e ser amado. Perdoa meu amor incompreendido e, finalmente, perdoa-me por me traíres.

De quem te ama do fundo da alma e por toda eternidade te amará.



II.

Eu juro, juro que tentei. Tentei te amar assim como tu me amas, tentei do fundo da alma, mas não pude, não consegui mandar no amor, não consegui fazer com que ele te escolhesse.
Só Deus sabe o quanto tentei, o quanto persisti, mas não deu para te fazer o ser mais importante para mim, não pude, simplesmente não pude...


De quem tentou te amar, mas falhou.


Continua...

sábado, 14 de outubro de 2017

Rosas - parte final


Um dia sua mulher morreu, morreu e deixou para ele a missão mais difícil do mundo – passar a magia da vida mesmo desacreditado dela – afinal aquela sensação de perfeição fora a melhor coisa que sentira, ainda que não houvesse durado muito, não poderia deixar que seu filho, o ser mais amado do mundo não a sentisse ao menos uma vez, sem tal sentimento não valeria de nada a vida.

Resolveu voltar para a cidadezinha, agora com um bebê nos braços, iria criá-lo ali naquele antro de paz e amor. Criá-lo-ia com a ajuda do sol, em meio aos pássaros, às plantas e às flores, só não em meio às rosas.

Durante um ano faltou-lhe coragem para entrar na casinha dos fundos, até que um dia enquanto seu filho dormia, seus olhos seguiram um raio de sol que ia para lá, não pôde evitar. Abriu a porta de madeira, uma luz intensa atingiu seus olhos, o sol continuava a viver ali, ficou receoso em olhar para baixo, inclinou a cabeça devagar.

Não pôde acreditar no que estava vendo, lá estavam elas – inteiras, lindas, radiantes com aquela cor somente delas. Por um momento pensou que não era verdade, se aproximou, tocou-as. Essas não eram suas amantes, eram suas esposas. Naquele momento compreendeu tudo.

Pouco depois seu filho acordou, trouxe-o para as ver, a pequena criaturinha as amou assim como seu pai. O menininho, entretanto, como todas as crianças, era mais sábio que o homem e quando as rosas começaram a partir, ele começou a preparar o terreno para as que nasceriam em breve. Despediu-se delas com beijo e um sorriso e disse algumas palavras em sua língua de criança pequena.

O pai, encantado, ficou a observá-lo e percebeu que estava enganado, não era ele que havia de passar a magia para o pequeno e sim o contrário. E a criaturinha cumpriu sua missão ajudada por suas amigas rosas que estariam sempre prontas para responder todas as perguntas da vida na cidadezinha onde o sol se demora mais. 

                                                                                                                                       08.03.2009
Fim
BCC

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O Belo Palco


O Belo Palco

BCC

E eu me tornei tão pequenininha

Mas meus desejos e vibrações tão gigantes

Podiam atravessar todo o mundo

Saíam de mim e encontravam a imensidão,

logo, contudo, a preenchiam de tão grandes que eram

Eles levaram paz, amor, luz e entendimento a cada pedacinho

A cada serzinho

Todo o mundo tornara-se agora um pouco melhor

A Terra continuará a ser um belo palco

E muitos atores terão a chance de se melhorarem

22.04.2009 

Rosas - parte IV


Enquanto visitava suas rosas, notou que uma estava machucada. Uma de suas pétalas estava fraca e parcialmente rachada. Aquela rachadura doeu nele, não entendia como aquilo havia acontecido, ninguém sabia da existência delas. Como ela havia se machucado? Ficou decepcionado.

Dali para frente, no entanto, só teve decepções. Primeiro uma, depois outra, todas aos poucos foram caminhando para o inevitável. Ele não compreendia, não queria compreender. Será que faltava amor? 

Mas como? Se as amava mais do que tudo. O sol também só as ajudava, vinha quando necessário e mandava chuva quando tinham sede.

Nesses dias, ele ficou angustiado, triste, já não apreciava mais a beleza da vida, não podia compreender que tudo estava perfeitamente certo, não enxergava que a morte está no destino de todos os seres e que com ela há também o renascimento – de quem fica e de quem vai.


E aos poucos todas elas foram. Aquele cantinho que antes era um ninho de amor e alegria, agora tornara-se um túmulo de tristeza e descrença. Foi ainda por alguns dias até lá, olhava para o lugar em que elas ficavam e chorava, até que parou de ir.

Coincidência ou não, a mulher saiu do emprego algum tempo depois. Tinham então de decidir se ficariam ou partiriam da cidadezinha. Resolveram partir.

Ali, ele havia descoberto o verdadeiro amor pela vida, havia presenciado a mais singela beleza e a inatingível perfeição, ali também sofreu a maior decepção de todas, sentiu na pele a efemeridade do mundo e carregou na alma a tristeza da incompreensão.

Foi embora, foi viver sua vida sem a magia daquele lugar, sem o encantamento que aprendera a sentir. Os anos passaram, alguns bons outros nem tanto, mas nenhum mágico como aquele, como o ano das rosas.

Um dia ...

Continua...

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Rosas - parte III


Olhou mais adiante e não conseguiu acreditar no que via, era perfeito, não, eram perfeitas. Eram rosas, as mais belas que ele já vira, grandes, graúdas com uma cor que ainda não existia, uma mistura de salmão com cor de rosa. Lindas, elegantes, encantadoras, suaves e poderosas ao mesmo tempo.

Foi amor à primeira vista. Ele se apaixonou por aquelas criaturas tão frágeis e tão fortes que conseguiram crescer dentro daquele lugar pequenino com tão pouca terra. Ele não sabia como elas foram nascer ali, mas também não importava, já as amava com tanta intensidade que era capaz de fazer loucuras para que elas continuassem a fazer do mundo um lugar mais belo.

Ficou contemplando-as até o anoitecer, quando se despediu e foi para a frente da casa. Sentou em um banco e pôs-se a escrever iluminado por um poste de luz, queria escrever algo para elas, suas amantes (não poderia chamá-las de irmãzinhas, elas eram muito mais). Não conseguiu escrever, as palavras não puderam descrever tal beleza e perfeição.

Entrou em casa, em seguida, sua mulher chegou, ele bem que tentou falar das rosas, mas de novo não pôde, guardá-las-ia só para si.

A partir daquele dia, gastava grande parte de seu tempo com elas, por vezes apenas contemplando-as, outras conversava com elas. Tentou escrever novamente, mas mais uma vez não obteve sucesso, decidiu, pois, que as pintaria. Começou o quadro, mas não conseguia finalizá-lo, sempre encontrava algum defeito, a perfeição em si não podia ser alcançada. Trabalhou, trabalhou por muito tempo, até que por fim deixou-o de lado.


Certa tarde teve uma surpresa...

Continua...

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Rosas - parte II


O primeiro quadro era da sua própria casa e como ficara perfeito, um fiel retrato da linda casa com suas flores nas janelas, na porta, no jardim. O segundo tratava-se de uma cena que ele havia presenciado – mãe e filhos passeando pelas aconchegantes ruazinhas da cidade. A mãe empurrava um carrinho com uma adorável criaturinha sorridente que mais parecia uma boneca. O mais velho andava, pulava e saltitava na frente das duas, deveria ter uns seis anos e como seus olhos e sorriso brilhavam. Ele se encantou com tal cena e tratou de pintá-la nos mais íntimos pormenores.

Além de pintar e escrever, ele também cuidava, agora do jardim. A velhinha, dona da casa, aparecera dois dias depois da sua chegada e lhe ensinara todos os truques de jardinagem. O homem adorava sua nova função, cuidava de suas irmãzinhas (era assim que chamava as flores desde então) com o maior cuidado.

Um dia a tardezinha, ele resolveu ir atrás da casa, lá o sol repousava e aquecia a mesinha e as diversas flores que ali também se encontravam. Sentou e tentou escrever sobre as mais mágicas cenas que lhe enchiam a mente.

Não conseguiu focar sua atenção, a cada momento se distraia com o canto de algum passarinho, com um raio de sol que apontava para uma espécie de celeiro que havia mais aos fundos. Decidiu acompanhá-lo, levantou e seguiu em sua direção, ainda não havia entrado ali, a velhinha lhe dissera que seu filho costumava guardar bugigangas naquela “casinha”.

Abriu a porta de madeira, uma luz intensa atingiu-lhe os olhos, procurou identificar de onde vinha, no teto do lugar havia um buraco por onde o sol entrava, aquele danado estava presente em cada pedacinho de vida da cidadezinha.


Olhou mais adiante e não conseguiu acreditar no que via, era perfeito...

Continua...

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Rosas - parte I



Um título e nada mais. Rosas – o que significa? O que representa? Rosas, a resposta de todas as perguntas, até mesmo a da mais difícil.

Foi em novembro que ele se mudou. Sua mulher recebera uma ótima proposta de emprego em uma cidadezinha onde o sol se demora mais. Ele, como não trabalhava em nada fixo, acompanhou-a.

A cidade era um ovo, não se tinha muito o que fazer por lá, talvez por isso as pessoas fossem calmas, serenas, do bem. Era um lugar ideal para descansar, refletir, repousar. O sol sabia disso e por esse motivo, depois de iluminar o mundo todinho, gastava um tempo maior ali, distribuindo seu brilho as pessoas, as casas e as plantas. E como havia plantas ali, flores principalmente; eram as mais belas e exóticas que existiam, estavam em todos os lugares, não havia uma casa que não tivesse jardim, uns mais belos que os outros.

A casa deles não era exceção, tinham-na alugado de uma velhinha que morava ali por perto. Ela havia construído a casa para seu filho, mas o rapaz não aguentou passar o resto de sua vida no paraíso.

Ele adorara o novo lar, a simplicidade lhe fazia bem, sentiu, desde o início, que ali realmente poderia respirar e viver em paz. A mulher ia para o trabalho antes do sol chegar e voltava depois se sua partida. Pobre coitada, pensava ele intimamente, ela perdia a dádiva de aproveitar aquele brilho tão maravilhoso e confidente. O sol ali era amigo de todos, ele escolhera aquele lugar, aquela gente para passar um tempinho a mais.

Todos os dias o homem acordava com a luz vinda do céu que penetrava pela janela e iluminava seu rosto dando-lhe bom dia, ele respondia, se levantava, comia algo e saía a caminhar. Buscava inspiração, se bem que naquele lugar, ele não precisava nem a buscar, ela vinha como que com o ar.

Ele era um artista, pintava e escrevia, escrevia e pintava. Tudo dependia do momento, da ideia, das cores do dia. Desde que chegara o mais que conseguira fazer fora pintar dois quadros. A inspiração ali era tanta que ele quase se afogava nela, precisava usar a razão para canalizá-la e poder trabalhar.

Continua...

Bom


Dizem, com razão, que o que é bom dura pouco. Na verdade, não é bem uma questão de duração, porque o tempo nada mais é do que ilusão. Ilusão também, pois, achar que o que é bom dura pouco.
Dura o que tem que durar. Mas por ser bom se quer mais, nós sempre queremos mais do que nos faz bem. Seja como for, o bom é bom demais talvez mesmo por ser fugaz.


                                                                                                                                           BCC
                                                                                                                                      05.09.2017

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

O Sonho


O Sonho
                      BCC

Morri! Morri!

Morri da vida. Mas nasci no sonho e que sonho... Era tão belo, tão maravilhoso, sentia-me bem, realizada. O lugar era mágico, poucos o conheciam, apenas quem estava lá o viu, o viu em sonho. O calor do sol aquecia o lugar, as águas refletiam seu brilho. O ar era suave, leve de se respirar. Os poucos ali presentes estavam felizes, sorriam e curtiam. Viviam! Eu também vivia, vivia no meu sonho. As ações não eram claras, mas mesmo assim despertavam sentimentos bons. Uma hora eu mergulhei. Ah! Essa foi a melhor hora, a água aquecida tomou todo meu corpo, mais do que isso tomou minha alma.

Foi ali que nasci.

Foi ali que morri.

Mas não uma morte triste, uma morte alegre, pois havia também nascido. Perdi o que eu era e ganhei o que sou.

Morri!

Morri!

Morri da vida.

E nasci no sonho!

20.05.2008

Baile de carnaval - final


Bia nunca havia pensado em Carol de outra maneira que não fosse profissional, mas gostava muito da chefe, gostava de seu estilo de trabalho, de escrita – ninguém conseguia diferenciar o que escreviam, em termos estéticos e de qualidade literária eram as melhores, se entendiam perfeitamente. Muito embora, Bia nunca tivesse concordado com o estilo de vida da chefe, muito menos com sua maneira ríspida (e pouco ética, em alguns casos) de tratar as pessoas e as situações, ela gostava de Carol, enxergava, de alguma maneira, o ser humano escondido por baixo de todas aquelas camadas de aparência.

E como estavam lindas hoje, o amor faz bem às pessoas às almas e aos corpos – e que corpos – Carol estava com um vestido vermelho com um tom mais fechado, queimado que combinava perfeitamente com sua pele morena e seu lindo cabelo castanho escuro, Bia, mais discreta, mas não menos deslumbrante usava um vestido preto decotado muito elegante que destacava seus belos fios louros, ambas levavam máscara enfeitadas como a de bailes antigos.

Estavam morando juntas há quase um ano e a relação só fazia melhorar, se davam bem em tudo, eram cúmplices na vida e na cama. Bia nunca imaginara que poderia ser tão feliz e realizada com uma mulher, Carol sabia que o sexo podia ser bom, mas nunca havia experimentado o amor nem com homem nem com mulher, Bia foi seu primeiro e único amor de verdade, Carol foi a primeira e única mulher de Bia, juntas ninguém poderia atingi-las, eram apaixonantes e apaixonadas.

Foram para o baile – o primeiro de muitos.

Fim.
BCC

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Fogo


É impressionante como o fogo faz as coisas tremerem, trepidarem, mesmo as que não estão em contato direto não conseguem ficar paradas ainda que não se mexam.

Será que é por isso que quando nosso coração está em brasa não conseguimos parar de tremer? Nossos dedos fogem do nosso controle, ficamos abestalhados, a respiração falha e milhares de borboletas se estapeiam em nossa barriga?

 BCC


2016

Saudades


Estou com saudades, saudades de ti, daquele tempo que não me lembro, de ti que não sei bem quem é, mas ainda assim sinto saudades, um sentimento repleto de amor e de vontade. Inaudível, inexplicável, sinto apenas, sinto dentro de mim e meus olhos poderiam exteriorizar tais sentimentos e sensações. É uma pontada entre o coração e o estômago, um arrepio diferente que percorre meus braços, meu rosto, meu coração. Queria te ver, quem sabe depois, quem sabe em sonho. Talvez você esteja por aqui, por perto, pertinho de mim.
BCC

                                                                                                                                                                               20.09.2016

Baile de carnaval - II


Ele precisou almoçar com ela no dia seguinte. Não conseguia entender. “Mas você gosta de homem, Carol. Eu sei que você gosta de homem, porra a gente já transou! ”. Ela explicou paciente e didaticamente que gostava de homens e de mulheres, e que, agora amava Bia mais do que tudo. “Mas vocês, tipo, são duas mulheres gostosas, eu pensava que uma sempre era mais macho, sei lá... entende? ”. Carol respirou fundo. “Não, uma não precisa ser mais macho.  A gente se ama, eu sinto muita atração por ela e ela é puta gostosa, não tem nada de errado nisso, pelo contrário, é ótimo! ”.


“Mas vocês já estavam juntas quando estavam na revista? ”. “Não”, ela respondeu. Mentiu, já tinham transado umas vezes antes de Bia se tornar editora chefe da outra revista, mas o percurso até ficarem juntas de fato foi meio tortuoso. Carol amou Bia todos aqueles anos em que ela era seu braço direito, esquerdo, suas mãos, suas palavras, mas não era um amor de mulher, de alma. Sentia atração por sua subordinada, mas nada muito intenso, até um dia... 


Continua...

quinta-feira, 17 de agosto de 2017


Todo momento é um momento de espera
É como se o mundo ficasse suspenso no ar
Cada qual em seu lugar
Na sua imutabilidade aparente
No seu silencio saliente
Na sua respiração freqüente

BCC

05.09.2013

Baile de carnaval - I


Elas estavam deslumbrantes. Era a primeira vez que saiam juntas para ir a uma festa da empresa, na verdade, já tinham ido a um happy hour há um mês mais ou menos, mas “oficialmente”, em um evento envolvendo toda a editora, seria a primeira vez. Estavam um pouco nervosas, não esconderam o romance, mas tampouco saíram espalhando por aí que estavam juntas. Conheciam bem o mundo corporativo e seus dilemas nada éticos.


Pelo menos, um dos big boss já sabia, custou a acreditar, mas não interferiu nem deveria.  Ficou sabendo durante uma brincadeira no happy hour, sua reação foi surreal, ele não conseguia acreditar, foi como se todas suas certezas tivessem ido por água a baixo, não conseguiu falar com elas no dia. Achou que era brincadeira, sabe quando a criança descobre que nada daquilo é real – papai noel, coelho da páscoa, fada do dente... 

Continua...

done/feito


done/ feito
BCC

Feito, feito
Feito como o vento
que passa
que derruba
que maltrata
que ameaça
que bagunça
                         a vida toda

que acarinha
que toca
com amor
com furor
com fervor
numa louca tempestade
em minha pele
meu cabelo
minha boca
meu pudor


done
feito


17.12.2106

Chuva de vento


Chuva de vento
BCC
Tentei experimentar uma chuva de vento
Não deu muito certo

O vento vem da horizontal
Não cai de cima como a chuva

O vento anda deitado
É preguiçoso
É sensual

O mundo é sua cama
As árvores, as pessoas, os animais, seus amantes

Só tem um jeito do vento ficar em pé
Danado como ele é

Dando golpe (em) baixo
em alguma mulher


17.12.2016

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Uma existência para existir

Uma existência para existir
                                                             Por BCC
Dizem que as crises são geradoras de transformações que do caos nascem as estrelas que a calmaria vem depois da tempestade. É verdade, às vezes precisamos de certas sacudidas para entrarmos novamente no prumo. Questionamo-nos sobre tudo, sobre o sentido de estarmos aqui, sobre os porquês, as verdades... E, se, deixarmos, essas questões acabam nos afundando, trazem à tona angustias, receios, medos, inseguranças. Então devemos viver sem pensar? À mercê do tempo e da vida? Não, também isso nos rebaixa tanto (e talvez mais) quanto as questões trabalhadas de maneira equivocada.

É mister que nos questionemos, somos seres pensantes, queremos entender, saber, conhecer, isso faz parte de nós, mas os questionamentos devem ser mais para nos elevar e menos para nos rebaixar. Para tanto, devemos ter plena consciência de que não encontraremos respostas para tudo do jeito que gostaríamos, no Livro dos Espíritos são muitas as vezes que os Espíritos nos alertam de nossas limitações de linguagem e de entendimento, quando Kardec, por exemplo, questiona sobre a possibilidade do homem conhecer o princípio[1] das coisas, eles respondem categoricamente que não o poderemos fazê-lo neste mundo, portanto, não tentemos encontrar todas as respostas, não as encontraremos por agora e corremos o risco de nos sentir machucados, tristes, vazios. Tenhamos paciência e, sobretudo, aceitação e humildade em relação ao mundo e a nós próprios, como disse Paulo com sabedoria: “liquido vos dei, porque sólido não poderias digerir[2]”.

Aceitar nossas limitações não significa que devemos viver sem pensar, pelo contrário, é importante buscar, transformar, não só nas crises, mas nos momentos de alegria, na nossa vida cotidiana. Temos uma existência para existir e não temos como negá-la, existimos hoje como estamos, como necessitamos para crescer, não podemos fugir disso por mais dúvidas e anseios que se tenha, por isso, ao contrário de nos afundarmos em questionamentos revoltosos que nos levam para baixo, podemos sentir gratidão por estar vivo por estar aqui e agora, por termos a oportunidade de fazer o melhor que podemos sempre com muito respeito, compreensão, humildade em relação a nós mesmos e aos outros -“tenha paciência você vai aprender”, disse sabiamente uma palestrante certo dia. 

Trata-se de um processo de crescimento, de aprendizado constante e diário.
Conhecer é condição necessária junto com a vontade para se fazer o Bem, para evoluir – nós renascemos no nosso entendimento constantemente – a realidade pode ser modificada de acordo com a lente do observador, por isso a importância do esforço de se alinhar pensamento e vontade em prol do Bem – do nosso bem, do bem do nosso próximo, do bem do mundo.

Devemos, como pregava Jesus, procurar olhar tudo com olhos de ver, transcender o banal, buscar algo mais no que nos ocorre ou deixa de nos acontecer, para isso contamos com uma importante aliada: a gratidão, ela nos ajuda a enxergar as coisas ocultas, a transcender significados, e assim tornamo-nos cada vez mais gratos por fazer parte de tudo isso – o efeito último torna-se causa primária em uma relação de recursividade. Com a gratidão, o estudo[3] e a reflexão vamos trilhando caminhos que nos aproximam de Deus.

Descartes em Meditações sobre a Filosofia Primeira de 1641 traz: “sou alguma coisa a mais do que eu próprio reconheço e, todas aquelas perfeições que atribuo a Deus, estão de algum modo em mim, em potência...”. Este excerto emociona porque, pensado há tanto tempo, é absolutamente atual, simples e profundo.

Deus é amor, nós temos esse amor em potência, temos tudo divino em potência em nosso Ser. Somos, simplesmente, assim como Deus é. Tudo está em nós, esse ente (essa forma de representação especifica de cada encarnação) está lutando para descobrir a essência que existe nele mesmo – a intervenção é de dentro para fora. Conhece-te a ti mesmo, já dizia o oráculo para Sócrates na Grécia Antiga, o autoconhecimento, porém, é muito trabalhoso, mas vale a pena no sentido de que tudo parte de nós e para nós volta.

A busca parte de nós para nós, é um encontro conosco mesmo – cada transformação que vamos sofrendo é no sentido de nos aproximarmos do que somos –  por isso, a busca e o encontro são em verdade a mesma coisa, nós chegamos a nós mesmos.

E, uma vez que aqui estamos temos o dever e a necessidade de viver, de continuar. “Existo, porque insisto” disse alguém com inspiração, há uma força em nós que nos impulsiona, que nos faz continuar, que nos mantem. E o que é a fé, se não acreditar plenamente na essência divina que somos, na criação de Deus que somos.

Nós fomos criados por amor e para o amor, temos uma destinação, somos o amor em potência ou ainda o amor divino que está em nós em potência. Podemos voar, se nos encontrarmos a nós mesmos deixando Deus ou essa essência divina que somos agir.
Jesus como Espírito evoluído vivenciou plenamente, quando estava homem encarnado entre nós, esse amor, essa ação divina. Mostrou a unidade da essência, a ligação intima com a fonte que nos gerou – vós sois deuses[4], eu e o pai somos um[5] disse, mostrando-nos que temos possibilidades. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus[6] em essência divina, o Ser que cada um é, é semelhante a Deus.

Vivamos, pois, como viajantes valentes buscando a nós mesmos, à nossa transformação diária e constante sem ansiedades e culpas, respeitando o nosso próprio tempo e o ritmo dos outros – cada um de nós vê de uma maneira diferente, todos agimos de acordo com nossa bagagem – cada vez mais com fé, com certeza, serenidade, aceitação, humildade e amor. E, nos lembrando sempre de que o que lançamos no universo volta para nós.



[1] LE questão 17.
[2] Coríntios 3:2
[3]  Muito dessa reflexão nasceu do que estamos filosofando no curso de Filosofia Espírita.
[4] Salmo 82:6; João 10:34
[5] João 10:30
[6] Genesis 1:26-28

A realidade extrapola a imaginação

Foi me dito que a realidade extrapola a imaginação, e, confesso que isso me tocou de alguma sorte, logo eu, que sou toda imaginação, que ado...