Estava deitada na rede
que fica pendurada entre duas pilastras do pátio. Lia, isto é, quando meus
olhos não fechavam. Entre uma página e outra cochilava, então despertava e lia
novamente até cair no sono de novo. Foi numa das vezes que meus olhos se
abriram que olhei para a fonte no centro do pátio. Estava vazia e desligada, os
empregados limpavam-na. Não era uma fonte comum, tinha três camadas, a
primeira, mais externa era funda tinha pouco mais de 1,5 m de profundidade.
Quando eu era pequena, foram muitas as vezes que desejei mergulhar, algumas por
calor, outras por brincadeira, imaginação, acreditava que aquela fonte era
mágica que ali há muitos anos habitara uma sereia que fora transformada em
menina e essa menina obviamente era eu. Desejava entrar na fonte para virar
sereia de novo. Nunca tive coragem, ficava só a imaginar como seria a vida de
sereia em uma fonte encantada tão linda e deslumbrante como aquela. Sim, aquela
dos tempos de outrora, hoje a fonte está suja, velha e com manchas que talvez
nem os produtos mais eficientes possam tirar. São marcas do tempo, marcas que
nunca se apagam.
Depois voltei os olhos
para o livro, não demorou muito para que eles tornassem a fechar. Só se abriram
com um barulho bem baixo e distante de passos. Me sentei. Um dos empregados
voltava em direção a fonte.
- Você precisa de algo? –
Indaguei.
Ele deu meia volta e
caminhou retornando em minha direção. Não acreditei no que vi. Aquele corpo
moreno, cor de bronze, da cor do pecado, coberto por um macacão sujo e desajeitado
que deixava à mostra braços musculosos, além dos ombros e uma parte do tórax e
que peitoral.... Baixei o olhar, calçava galochas pretas por cima do macacão.
- Desculpe, eu não queria
acordar a senhora.
Meus olhos encontraram
seu rosto. Era tão lindo, tinha olhos castanhos esverdeados meigos e de uma
aparente inocência que comovia, a boca, no entanto, trazia sensações
completamente contrárias, era carnuda de um vermelho provocativo e sensual, o
nariz nem grande nem pequeno, na medida certa. Ele era o que antigamente
chamavam de deus grego. Não sei bem se era exagero meu já que há muito não via
homens ou se ele era perfeito mesmo.
- Ora! Imagina, você até
me fez um favor, o livro não estava interessante e acabei cochilando, mas não
posso dormir de dia se não perco o sono a noite.
Mentira, não podia
admitir que era o livro que não estava interessante e sim eu, desinteressada
não só do livro, mas também da vida. Quanto a perder o sono, outra mentira, nos
últimos anos o que eu mais fazia era dormir. Acho até que estou virando uma
gata daquelas bem preguiçosas, não posso encostar em algo que já adormeço.
- Neste caso, – disse ele
sem graça – vim entregar isto.
Continua...