Mostrando postagens com marcador Prosa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Prosa. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

(meu) beijo da Ana


(meu) beijo da Ana

Ela é linda e sabe disso, é de uma energia estonteante, que faz cambalear o mais forte dos corações, sua voz grave escorre em cada pedacinho de meu ser, me arrepiando os dourados pelos que cobrem sutilmente o corpo, quando a vejo, quando a ouço, a quero pra mim.

Fui, pois, a ouvir cantar, fui vê-la no lugar em que mais brilha e se sente a vontade, e, que linda ela, lá em cima, que linda sua voz, seus olhos se fechando a cada tom mais grave, sua boca que engolia qualquer dúvida e trazia amor por entre timbres e tons.

Fui, é verdade, engolida por ela, me voltou a imaginação de anos atrás quando menina moça não sabia o que queria, mas inconscientemente talvez já a quisesse. E essa imaginação, ah tão conhecida imaginação me levou de volta à ela, de um jeito diferente agora, mais mulher, dona de mim e de meus desejos, mas também imatura talvez até mesmo por esse desejo ... imaginei mesmo assim, não pude evitar.

E assim foi, na hora final, não sei como a alcancei (uma das vantagens de imaginar, não precisar saber como tudo ocorre), continuando, a alcancei no meio de um turbilhão de fãs apaixonadas que estendiam as mãos e gritavam em sua direção, tiravam fotos, davam presentes, eu, que não sei como cheguei ali, porque não sei estar em meio a tanta gente, estendo minha mão meio sem fé, mas com total confiança – contraditória como qualquer ser humano – e assim de repente a vejo pegar o envelope preto que segurava quase desesperada no alto da multidão, ela o pega, parece ler rapidamente e o entrega para um moço de sua equipe.

Meu coração relaxa por um milésimo de segundo, o ar volta aos meus pulmões e meus ombros se abaixam num sinal de alívio, saio dali, me afasto do afeto entusiasmado daquelas que a amam tanto de uma maneira que nunca entendi.

Minha parte foi feita, quase que como uma missão impossível, para mim, sendo quem sou, de fato, era dificílimo entrar ali no gargarejo com tanta gente. Mas fiz – consegui entregar o envelope que em letras prateadas garrafais diziam: me deixa te dar um abraço apertado? Com o número do meu telefone discretamente posicionado no canto inferior direito.

Não sei se ela leu, tão pouco se iria atender ao meu pedido. Dentro do envelope meu texto, de outros carnavais, de outras imaginações, mas tão real e poético, tão simbólico e sutil, tão meu ainda hoje. Queria muito que ela o lesse, aqui nessa história e na outra da vida dita real. A(h),C! ...

De qualquer forma, saí dali aliviada, fiquei mais afastada, não muito longe, a vendo cantar ainda a última música que acompanhava com os lábios apenas, meu coração de tranquilo foi para o ápice da ansiedade, será que ela leu meu pedido imediato e de carinho, será que me atenderia...

Os agradecimentos foram feitos, ela sai, eles saem, todos estão saindo, eu, não. Eu fico, esperançosa, ansiosa, iludida, mas fico. Fico com o celular em punho, até que surge uma mensagem, uns dez minutos depois da dispersão, aqui é fulano quer vir no camarim dela dar o abraço? Minha mente se cala por um instante, depois triunfante berra em meus ouvidos que como todo meu corpo parecem em síncope – deu certo!!

Respondo prontamente acordada por minha cabeça que só quer a ver, logo, rápido, o mais depressa possível. Ele aparece e me conduz ao camarim, chego e há uma pequena fila de fãs, umas quatro ou cinco meninas embevecidas, choram, pedem autógrafos e tiram foto, dizem que a amam.

Eu espero. Observo, porque faz parte da minha natureza observar, observo as meninas, o lugar, as pessoas ali presentes, e, sobretudo, ela que atende as meninas com simpatia e decoro, faz parte de seu trabalho, sim, aquilo também é trabalho. O meu abraço também seria trabalho?

As meninas vão embora, uma a uma, fico eu em sua presença desconcertante, chego perto dela sorrindo, porque é impossível não sorrir, ela sorri discreta, vamos tirar uma foto, diz educada, respondo , quase sem querer, sim a foto, mas quero um abraço bem apertado.

Você é a menina do abraço, ela diz, como se me conhecesse e meu coração se enche de alegria. Sou eu. Ela abre os braços e eu entro neles, envolvo-a com todo meu afeto, Obrigada digo, Obrigada por você existir, por ser quem é e pela energia tão louca que emana. Ela me aperta um pouco mais, depois me afasta dela, olha para mim com aqueles olhos que me desnudam a alma, Obrigada pelas palavras e pelo carinho diz sorrindo e sinto que de alguma forma, pequena que seja, o que eu disse a tocou.

De meus olhos saem lágrimas, porque sou assim, choro como manifestação da minha existência, choro com coisas lindas, e, ela é tão linda. Ela olha pra mim, de novo, tá tudo bem diz baixo, como se pudesse falar baixo com aquela voz – e pode, como pode.
Respondo que é muito louco aquilo tudo, o que eu sinto por ela, porque não sei ser fã, embora esteja sendo, eu só gosto dela, sinto um carinho e uma atração imensos por ela, pelo ser que ela é, mesmo não a conhecendo e isso é tão doido. Digo rapidamente que ela foi a primeira a povoar minha imaginação, a despertar desejos que eu não conhecia, a desabrochar a mulher que hoje sou e a agradeço por isso.

Ela me olha surpresa, sorri com os olhos e com a boca, que boca, que olhos... Fico feliz que tenha te ajudado mesmo sem saber, diz finalmente. Depois, volta com sua educação e me lembra da foto, dou o celular para alguém da produção e me posiciono a seu lado, ela sorri seu sorriso habitual, eu sorrio, olhando-a.

Me entregam o celular, ela me olha e diz de um jeito carinhoso, mais um abraço, pergunta, já me abraçando, respondo me deixando envolver por seus braços, sentindo seu cheiro, apertando com meu coração de menina, seu coração de mulher. Obrigada digo mais uma vez em seu ouvido, sinto sua respiração e essa é a melhor sensação.

Ela se afasta devagar, ficando ainda muito próxima, nossos rostos estão pertíssimo, ela pega em meu queixo e encosta seus lábios nos meus, eu não posso acreditar, não sei mais onde estou, quem sou, só sinto meu coração bater tão rápido como se quisesse ele mesmo sair pela minha boca e encostar seus lábios nos dela. Não, coração, são os meus lábios que recebem o beijo dela.

Ficamos assim por um longo tempo que parece breve demais, quando ela me solta, sorrio e ela sorri aquele sorriso de mulher, que sabe bem o que faz. Uau digo involuntariamente, gostou pergunta sacana, e meus lábios vermelhos, respondem quase sem querer, sabendo muito bem o que querem. Sim, posso retribuir?.

Sorrio triunfante, também sou mulher, também sei o que quero.

Você precisa ir, menina. Ela diz, me transformando em menina de novo. O produtor já me conduz apressado para a porta.

Quando ela diz, espera e estende sua mão em minha direção , volto meu corpo para onde ela está, entrego minha mão a ela, ela a pega com força e suavidade, me puxa para si, diz baixinho sorrindo aquele sorriso sacana, deixa ver se eu te ensinei bem na sua imaginação.

Sorrio, com a boca, com os olhos, com todo meu corpo, é claro que ensinou, penso, mas não digo nada, apenas aproximo minha mão de seu rosto, tiro um fio de cabelo delicadamente, e, vou devagar me achegando a ela, porque a vida é breve e o amor mais breve ainda. Encosto meus lábios nos seus, beijo pequeno e devagar, sorrio olhando para ela, ela me olha de volta, a beijo de novo de leve, repetidas vezes, sutil e deliciosamente, até que meus lábios se abrem e minha língua encontra a dela, o encaixe perfeito se dá, vamos e voltamos num movimento urgente e quente, nada mais existe. Meus dedos passeiam por sua pele, seguro seu rosto com força, ela segura o meu, invade meus cabelos de forma selvagem e se deixa ficar. Ficamos por uma pequena eternidade ali, juntas pegando fogo.

Quando nos afastamos, sorrimos. Tchau menina, ela diz, me desejando como mulher. Respondo dizendo obrigada, e recomendo que leia o texto do envelope, digo que acho que ela vai gostar. Poeta que sou nunca me esqueço do texto.

Ela faz que sim com a cabeça sorrindo e não a vejo mais.

Poderia ter continuado com a imaginação, confesso que até quis, mas não pude, por respeito a mim e a ela – tenho dessas coisas. Chega, por ora, de imaginar.
BCC 
02.12.2019

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Carta ao Brasil


Meu querido Brasil!

Acho que você já sabe o quanto te amo. Sinto-me muito feliz em ter escolhido você para ser minha pátria, meu lar. Sou muito grata pelo clima, pelas árvores, o sol e a chuva que vêm aqui nos visitar constantemente. Sou grata por essa terra abençoada que acolhe nossas florestas e plantações, grata por nossos animais e sua exuberante beleza, por todas as frutas, legumes, verduras e grãos, especialmente o feijão! Como eu amo feijão!

Obrigada também pelos campos, pelas praias maravilhosas e o esplendido mar que aqui faz sua morada. Obrigada pela água doce abundante que você abriga e faz florescer, pelos rios, cachoeiras, lagos. Pelas lindas flores, por este cheiro tão bom de mato e terra molhada. Obrigada por deixar nascer em sua terra abundante o eucalipto cujo cheiro é maravilhoso e eu amo tanto. Obrigada pela beleza de toda a natureza, obrigada pela beleza de toda sua gente.

Brasil, sua gente é linda! Colorida, diferente, única! Você acolhe pessoas de todos os lugares e faz da sua terra seus lares. Obrigada por sua generosidade! Há tanto amor aqui, tanta música – obrigada Brasil por acolher o tambor da África e fazer dele seu instrumento preferido, obrigada por misturar e integrar gente de todo tipo, de todas as crenças, de todas as cores. Brasil, você é abundante até em sua gente!

Sei que aqui, meu Brasil, ainda há também gente que não se preocupa com a gente, sei que temos grandes problemas, mas o amor que você nos oferta é maior ainda e sei que aos poucos vamos redistribuindo, espalhando e contagiando a todos com esse amor.

Há muita gente que já faz isso e sou grata também a esses brasileiros que lutam pela sua gente, que amam mais, que ajudam mais e que não desistem de você, meu Brasil e de toda sua abundância em beleza, amor e bondade.

Vamos juntos, Brasil, vamos cada dia mais aprender a viver melhor, a amar, a cuidar de nós mesmos e de você, de sua terra tão linda e de todos que a habitam.

Gratidão Brasil! Eu te amo e amo viver aqui, no meu lar!

Sempre sua,
BCC

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Ah! O Sol


Ah! O Sol! Querido astro rei que pode aquecer, mas também queimar. Que anda insistente a dizer que a vida é feita de luz, mesmo quando não se pode ver - ela, a luz, está presente, quente dentro de nós a nos manter vivos aqui agora neste mundo e noutro lugar. Vós sois a luz do mundo  disse ele há tanto tempo, somos luz, é verdade, e todos os dias, o sol esse círculo  dourado reluzente que brilha no azul do céu continua a nos dizer, a nos convidar a brilhar nossa luz assim como ele o faz.
                      
                                                              BCC
20.12.2018

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Presente na vida


Eu ouço minha respiração, sinto arrepio no corpo - cada pelo se levantando,  como se, desde os pés subindo pelas pernas chegando ao tronco, aos braços, uma onda viesse passando me mostrando que eu estou viva que eu estou aqui, agora, presente, na vida.

Ainda que eu não a  entenda - à vida - ela está aqui em mim, em cada parte do meu ser, em cada poro acordado em alerta, em cada som que ouço próximo e distante de mim, ela está aqui presente no ir e vir de meus pulmões, no toque sutil de meu corpo deitado na cama.

Ele está aqui na batida suave de meu coração, no ar que entra e sai de mim, nas palavras que simplesmente se ajustam numa ordem própria e única em minha mente. A vida está aqui agora, insistindo em me dizer sobre sua presença. E eu a amo por isso.

BCC
04.12.2018

sábado, 1 de dezembro de 2018

Reencontro


Hoje me reencontrei comigo, com meus textos, com minha alma.

À bem da verdade nunca estivemos de fato rompidas, mas estávamos ausentes. Esse mês que passou, passou como nunca antes, foi difícil, duro, úmido, mas passou, está passando.

E saio dele diferente, saio dele ainda com algumas feridas cicatrizando, com alguns espaços abertos e vazios, saio dele, também, mais dona de mim, mais fortalecida, porque se cair dói, levantar dói mais ainda.

E estou levantando.

Saio agradecida - pelo apoio, pelo carinho e amor dos amigos de lá e de cá. Saio agradecida por quem sou e pela luta que tive de lutar, ela me foi necessária, e se ainda há arestas, e, sei que elas ainda existem mesmo que em menor quantidade, me sinto hoje um pouco mais forte para lidar com isso.

Saio diferente sem tantas respostas como gostaria, mas com mais aceitação e serenidade de não as ter.

Confia na sabedoria da tua alma, disseram-me.

Confiança e fé.
Amor e coragem.
Aceitação e paz.

Seguindo em frente com gratidão.

BCC
01.12.2018

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Repetindo o milagre


Eu amo o amanhecer e o anoitecer.

Amo o acordar e o adormecer.

São pequenos milagres diários que ocorrem a todos sem exceção durante toda a vida na Terra.

Perder-se no sono, abandonando-se a si mesmo para adentrar em outra dimensão e voltar, voltar quantas vezes forem necessárias, voltar e despertar diariamente para vida nova que não cessa de se repetir sem nunca deixar de ser novidade instantânea a cada segundo diferente do anterior.

Há quem considere os dias iguais e há quem faça diferença entre os dias, já dizia Paulo há quase dois mil anos.

Os dias, não obstante, continuam a amanhecer e anoitecer e nós continuamos a adormecer e a despertar diária e incessantemente, repetindo o milagre.

Simplesmente repetindo o milagre.

BCC 
14.09.2018

terça-feira, 11 de setembro de 2018

O cavalo sem nome



Um cavalo pisou no meu pé.
E foi o cavalo que mais amei na vida. Eu nunca tive contatos estreitos com cavalos, é verdade, mas o que me aconteceu com ele, com aquele cavalo cujo nome nunca saberei se é que ele tem um nome - para quê nomes diante de atos e afetos?- foi me tão  surpreendente que custei a acreditar.
A verdade é que o que nos aconteceu foi como um amor a primeira vista, a vista dele, confesso. Não havia reparado especificamente nele até que ele o tivesse feito comigo.
Entrei no lugar que eles estavam com ela, e ela tem toda uma história com eles, os cavalos, eu, não.
Sempre os admirei, admito, mas de longe, é possível contar nos dedos quantas vezes me aproximei de cavalos reais.
Acho lindo a liberdade da corrida dos cavalos selvagens, quando vemos naqueles programas de animais, aqueles seres magníficos enormes correndo apenas porque correr faz parte de sua natureza. Já dizia o poeta, os cavalos são os bichos mais perfeitos que existem simplesmente por serem cavalos.
Concordo com isso.
Mas os cavalos domesticados, esses que as pessoas montam nunca me chamaram tanta atenção, os acho tão perfeitos para estarem submetidos a nossa pequenez humana... enfim, não tinha proximidade alguma com tais seres incríveis, apesar de realmente os considerar belos milagres da criação.
Acontece que quando entramos no cercado, ela foi falar oi para eles e eu, mais tímida fiquei próxima a porteira, esperando alguma confiança aparecer de algum lugar em mim. A confiança não veio antes dele me alcançar, de longe onde estava, ele veio certeiro em minha direção, se mostrou para mim, me amou e me incitou a amá-lo, era impossível não fazê-lo.
Andei pelo cercadinho e ele me seguiu, veio com tanto amor que pisou em meu pé. Nunca havia amado um cavalo, nunca havia sentido a dor do amor, e como doeu. Meu pé ficou latejando, lagrimas involuntárias saltaram de meus olhos e eu não podia fazer outra coisa se não amá-lo ainda mais.
Ele queria carinho, queria ficar perto, talvez comer, talvez ir embora, eu não sei, mas ele ficou por perto, ele pediu carinho, ele doou amor.
Quando fomos embora, ele foi até a porteira e bateu sua pata no portão, voltamos, é claro, e o amamos mais um pouquinho.
Nunca irei esquecer o dia em que o cavalo pisou no meu pé. O cavalo sem nome que eu mais amei na vida.
BCC 
11.09.2018 
sobre domingo 09.09.2018

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Sê como as árvores


Sê como as árvores, finque suas raízes no chão, segure bem forte a terra em baixo de seus pés, se mantenha firme onde ninguém pode ver, onde só você pode sentir e sinta, sinta a terra te sustentando, sinta a força vital, a energia materna do solo fértil e se fortaleça, sempre.

Erga, ao mesmo tempo, seus braços e seu espírito ao céus. Como as árvores, projete seus galhos o mais alto que puder, sinta o calor do sol, o frescor da chuva, a brisa do vento. Deixe seus pensamentos voarem assim como as folhas das árvores, deixe voar...

E esteja pronto, pronto para estar e para ir, dê frutos, ajude ao mundo, mas,sobretudo, lembre-se de se ajudar que a terra e o céu também te ajudarão.
BCC
23.04.2018

sábado, 21 de abril de 2018

No fundo da mar






Eu não sabia o que fazer, então fiz o que mais sei – escrevi –
e isso me fez completamente bem.

Meu desejo era o de mergulhar o mais fundo que eu pudesse e nas profundezas de meu ser e, talvez, também do seu, encontrar algo que desconheço e que necessito. Algo que quero sem saber porquê, sem saber o quê.

Queria mergulhar tão intensa e profundamente e me sentir completa e rodeada do mar que as águas tomariam todo meu ser e que tudo seria eu e você.

Mas não posso, não agora, agora preciso de ar, preciso voltar a superfície para respirar. Preciso nadar para cima e ver o céu, ah! O céu, meu refúgio ao lado do mar. Preciso de ar, preciso que a luz do Sol me aqueça a alma, me abrace e diga que está tudo bem – eu sei que está – mas preciso da luz dourada a me reconfortar.

Sentir o ar entrando em meus pulmões, me dando fôlego para lutar, para viver, para encontrar o que tem para mim no fundo do mar.

BCC

21.04.2018

quarta-feira, 21 de março de 2018

Ah!C

Pequeno prólogo

Estou ouvindo, nesses dias, a belíssima música Ilusion escrita por Julieta Venegas e adaptada por Arnaldo Antunes e Marisa Monte, na linda versão cantada por Julieta e Marisa. E lembrei-me desse texto que escrevi há quase três anos e que revisei hoje. Entendedores, entenderão.

Ah! C

Ela sempre exerceu sobre mim uma atração. No início gostava dela porque gostava. Sua voz e sua figura me atraíam de alguma maneira inexplicável.

Sempre que a ouvia aquela sensação de gostar voltava, com o tempo passei a gostar mais – era uma atração estranha, nova, diferente. Foi ela a primeira a povoar a minha imaginação com desejos secretos. Desejos que não sabiam se eram meus. Com ela conversei, passeei, descobri um novo mundo, uma nova forma de ver. Tudo isso em meu coração.

Ela abriu portas para novas histórias e personagens, novas sensações e novos sentimentos. Tudo muito misturado, complexo, irreal. A curiosidade só fez crescer e com ela a busca, a procura, a frustração da imaginação, do mundo fantasioso que tanto ensina, mas que nunca existe.

Como pensar e sentir alguém sem nunca a ter conhecido? Imagina-se, pois, mas até que ponto? Até que ponto a imagem sequer lembra a verdade?

Qual a tua verdade? Me pergunto. Qual a minha verdade?

Ela sempre exerceu sobre mim uma atração. O porquê não saberia dizer. Pode ser que sintam o mesmo em algum lugar, sempre pensamos que o que sentimos é único, mas de uma forma ou de outra sentimos parecido.

E o que sinto por ela não é uma idolatria como a de muitos, sinto vontade de conhecê-la como ser humano, de conversar com ela, olhar em seus olhos, saber se poderíamos ter amizade. Sinto já, de qualquer forma, um grande afeto por ela e não sei muito bem o porquê. Não é um afeto apaixonado pela pessoa que ela é e que não conheço. Sinto um carinho por seu ser por alguma razão que desconheço.

Pode parecer ingenuidade a minha, eu sei, mas gostaria de saber, conhecendo-a, se essa atração e esse carinho tem razão de ser. Não sei se um dia eu hei de descobrir ou se a ilusão irá embora para sempre e apenas a memória de algo que poderia ter sido e não foi restará, pode ser que um dia a conheça e que nada disso seja real, pode ser que nunca chegue de fato a conhecê-la de verdade, e pode ser que...

Não sei, só o tempo dirá, enquanto isso, as dúvidas e o carinho pairam no ar, feito a poesia pensada que arredia não se deixou copiar, que vive solta, voando à espera do momento certo de pousar.

BCC
Dez./2015, revisitado e revisado em Março/2018

quinta-feira, 15 de março de 2018

Dos sustos o menor



A mim não importava que a porta batesse, seria um barulhão, é verdade, mas nada demais. Mas a ela, minha Nalinha, deitada esparramada no chão do quarto, dormindo acordada preguiçosamente, a ela o barulho seria terrível, consigo vê-la pulando e quase alcançando o céu, por muito menos ela se assusta e salta exageradamente de onde dorme. A ela o susto seria formidável, então quando vejo a porta se movendo em direção ao batente com o vento incentivando seu movimento rápido e preciso, salto meio sem jeito da cama e corro para evitar o inevitável. Nala me olha um pouco assustada, mas não a ponto de se levantar de seu caprichoso descanso, olha-me nos olhos como que perguntando “o que foi? Preciso me exaltar? O que foi Bubu?”. Não tenho tempo de responder, chego a porta quase a ponto de não evitar seu sobressalto, mas consigo! A porta não bate,  e Nala está a salvo de um grande susto, deitava estava deitada continuou, abaixo-me agora livre de perigos, e faço um carinho em seu corpinho macio, ela relaxa ainda mais e ensaia fechar os olhos, o pequeno susto de me ver levantar correndo e o meu esforço até a porta valeram a pena, a pequena preserva sua paz – dos sustos o menor.

BCC
15.03.2018


segunda-feira, 12 de março de 2018

Chuva


Essa chuva era tudo o que eu precisava. E ela, a chuva, também precisava chover, desesperadamente, ela precisava chover.

E suas gotas vinham de todas as direções e corriam e se trombavam no ar. Nunca havia visto tanta urgência por chover.

Em poucos minutos, tudo que se ouvia era sua voz acompanhada do grito suave e persistente do vento - há tempos que não se encontravam, estavam a pôr a conversa em dia.

Tudo ficou líquido e em movimento, as árvores adoraram, dançavam agradecendo a água que caía do céu, mas a chuva chovia tanto e com tanta urgência que não reparou nelas, não reparou na mulher que estava na piscina, nos homens trabalhando na obra, no cachorro de rua que apressado foi em busca de um abrigo.

Não reparou em mim que olhando da janela com minha alma em mãos me deslumbrava com o espetáculo urgente que de repente se fez como a única realidade .

Como a realidade que faltava. Nada mais existia e tampouco importava, só a chuva que chovia, forte, apressada, intensa, certa de que tinha de chover aqui agora presente como só a natureza pode ser.

BCC
12.03.2018

sábado, 24 de fevereiro de 2018


A grande sacada é essa conexão intrínseca entre o eu e outro. Não é um desafio amar o outro como a si mesmo. É uma realidade. Estamos todos tão intimamente ligados. Fazer bem ao próximo é fazer bem a si mesmo e vice-versa. O problema é a nossa não compreensão dessa realidade que se faz presente, para nós, apenas em pequenos momentos. Ainda bem que, pelo menos, existem esses momentos.
BCC

domingo, 18 de fevereiro de 2018

O velho vestido azul desbotado


O velho vestido azul desbotado era um de seus preferidos, mas estava tão surrado pelo tempo que ela apenas o usava em casa ou numa volta até a esquina...

Havia o comprado há anos numa loja de roupas indianas, dessas que existem nos populares centros de comércio das grandes cidades. Era lindo ele, caía perfeitamente em seu corpo de menina mulher, ela ainda gosta muito, usa-o agora mais livremente, às vezes sem nada por baixo.

E numa preguiçosa tarde de domingo cinzento, ela está deitada com ele depois de ler e de entrar, com o celular, em outra realidade, realidade de gente que existe, mas que parece não existir, não aqui não agora... depois de imaginar histórias inspiradas na trama fantasiosa de sua leitura, ela olha para o silêncio do quarto e o vê a ele, o vestido azul desbotado que ela tanto gosta.

Por que não olhar para ele de um jeito novo? Ela sempre gostou de experimentar novas visões, novos pontos de vista, olhou-o através da câmera e gostou do que viu, gostou do velho vestido azul desbotado em seu corpo, na lente de sua câmera, nas palavras de seu texto.
BCC 
18.02.2017

sábado, 27 de janeiro de 2018

Um passarinho pousou em minha janela


Um passarinho pousou em minha janela, agora. Foi um ínfimo de segundo, mas foi uma adorável surpresa, estava escrevendo, viajando em um outro mundo quando o ouvi, um piar doce e pertinho, pertinho, levantei a cabeça e olhei e lá ele voou, acho que era bem-te-vi ou a sua versão miniatura, vi o peito amarelo de relance. Fiquei extasiada, um passarinho pousou em minha janela, poderia haver um presente mais belo para essa tarde de sábado?

Dá até vontade de chorar, o que confesso não é difícil para mim, sou um oceano inteiro de lágrimas, mas é tão lindo isso, é tão lindo, tão simples e até mesmo banal, pássaros pousam em diversos lugares em diversos momentos, mas eu nunca havia visto um aqui assim tão pertinho, eles vem na varanda de vez em quando, bebem água e às vezes até fazem cocô em nossa grade, mas sua bela presença na minha janela, isso nunca, não até hoje.

Eu mesma se fosse pássaro iria pensar mil vezes antes de pousar na janela de um ser humano, infelizmente não se pode confiar em qualquer um. Aqui ele estaria seguro, se tivesse ficado um pouco mais, jamais me aproximaria, talvez, é verdade tentaria tirar uma foto, de longe mesmo, mas pensando agora, por que faria isso? Para captar a beleza do momento? Ou só por tirar foto, porque tirar fotos hoje parece ser uma mania universal?


Não, não quereria tirar foto do passarinho na minha janela. Capto a beleza do momento com meu coração que bateu mais rápido ao ouvi-lo e vê-lo tão pertinho, capto a beleza do momento com minhas palavras que ecoaram rapidamente de minha alma para o computador (já estava a escrever mesmo, não é?), capto e guardo a beleza do momento, da vida, do doce piar de um bem-te-vi em minha alma que se regozija com a simplicidade e a beleza do mundo e da natureza.

BCC
27.01.2018

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Você reparou na lua?

E é sempre assim, nestes dias minha mente insiste em me acordar antes do despertador e eu, com sono, obedeço. Daí faço tudo o que preciso fazer, serena, sem pressa, agradecendo a dádiva de estar viva.
E de repente em um segundo qualquer, um preciso segundo qualquer, o tempo começa a voar, e tenho que também eu voar com ele.
É engraçado isso, acho que deve ser no instante em que o sol aparece com sua força radiante dizendo para noite que ela acabou, que a escuridão terminou por hoje, por enquanto.
O sol deve aparecer, dar um beijo na lua, insistir para que ela e apenas ela fique no céu com ele. Ao que ela doce, mas firme recusa, não meu amor, diz, eu não posso ficar, não fico sem a noite, não fico num céu que não seja negro, não posso viver sem a escuridão, te amo, mas não posso ficar.
E a cada instante, seu brilho vai diminuindo e ela vai sumindo, desaparecendo... Se preparando para brilhar em outra noite, em outra realidade...
O sol resignado e forte continua sua saga de iluminar o dia clareando o céu que impede sua lua de ficar.

PS.: sobre a foto - você reparou na lua?
BCC 
10.01.2018

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

3 casamentos

Ontem me casei com o mar.

Foi meu terceiro casamento, tenho agora, dois maridos e uma mulher.

Meu primeiro casamento foi com o Sol.
Eu era menina moça ainda, foi ele o primeiro a tocar os fios de ouro de todo meu corpo (a la Pombinha em inesquecível cena de Aluízio de Azevedo).
Teve festa de casamento com os pássaros, o céu, as árvores - todos presentes, todos felizes e radiantes. Brilhávamos ele e eu à luz dourada  que até hoje nos abençoa.

Meu segundo casamento, ao contrário, não teve festa. Foi tudo tão natural, tão nosso, tão intrínseco a nossos seres que da noite para o dia, literalmente, amanheci casada com ela. E de foto em foto, poesia em poesia, música e música casamos a Lua e eu tão completamente que não posso viver sem ela.
Nosso amor é tão grande que vivemos num céu só nosso, brilhando abençoadas pela imensidão da escuridão e vez por outra as estrelas testemunham esse amor feminino tão verdadeiro, belo, intenso que só existe no negro azul (quente) da noite.

Ontem, no entanto, foi diferente. Há tempos, é verdade, sei que pertenço ao mar, mas ontem, ele me pediu em casamento com anel de coco (como todo anel que se preza deve ser) e eu serena e feliz aceitei.
O mar é aquele amante amigo sincero e às vezes até um pouco rude, é que a verdade e a vida nem sempre são doces ele insiste em me lembrar, me envolvendo em seus braços salgados e me amando.
Às vezes é preciso um chacoalho, uma onda mais forte, umas verdades bem ditas para entender seu balanço, para entender a vida.
Mas depois fica tudo bem, tudo sempre fica bem onde há amor, e o mar e eu nos amamos tanto e mesmo nem sempre perto somos abençoados por nossas lembranças e pela saudade que nos envolve.

Tenho agora, dois maridos e uma mulher. E os amo tão completa e intensamente que respiro amor aonde vou.
BCC
 01 e 02.01.2018

sábado, 30 de dezembro de 2017

Morte em vermelho


Não matarás, já dizia o mandamento.
Mas isso vale para tudo, tudinho mesmo?
Vale até para um pernilongo que zune em meus ouvidos às 02h37 da madrugada?
Vale para esse ínfimo inseto que encontro de novo às 7h da manhã no banheiro do hotel e que insiste ainda em zunir impaciente, inquieto voando sem descanso pelo espelho, pelo box, pelas paredes?
Penso durante um segundo, e o tempo parece curto, é verdade, mas meu instinto... seria ainda instinto animal da época em que matávamos por necessidade? Ou seria uma vingança infantil e tola? Não sei.
Mas decido matá-lo e depois, não sei se me sinto culpada, se deveria ter pensado noutra solução. Como o tiraria do banheiro, por exemplo, para o soltar na "natureza"? Seria isso possível? Ele não voltaria? Não é sua sina, seu instinto procurar por alimento? Satisfazer sua sede de sangue?
Bom, o sangue, este mesmo, talvez meu, talvez dele, manchou de vermelho a já vermelha sola de meu chinelo.
Gosto de vermelho.
Foi tudo muito rápido, ele voando inquieto, parecendo perdido, desnorteado atravessou o caminho de meu chinelo no ar e caiu no chão, próximo a parede; confesso que meu olhar 'assassino' não é dos melhores (embora a mira seja muito boa), então não soube reconhecer de imediato se o tinha acertado. Vi no chão um corpinho estranho e para ter certeza de que tinha acertado minha vítima (ou seria meu algoz? Que lembrem, zuniu em meus ouvidos, me acordando de madrugada e estava sedento por meu sangue), pisei nele com o mesmo chinelo que o acertara no ar.
Constatei aliviada que se tratava do corpo morto, quando, já com o chinelo em minhas mãos novamente, vi a mancha vermelha, a pequenina mancha vermelho escarlate que coloria ainda mais de vermelho meu chinelo da mesma cor.
Já disse, gosto de vermelho.
BCC
30.12.2017

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Há 26 anos...


Há 26 anos nascemos ela e eu. Eu nasci como sua filha, ela nasceu como minha mãe, e ser mãe é sem dúvida a missão mais linda que ela exerceu, exerce e exercerá por muito tempo. Acho que em verdade, ela não é só minha mãe, ela é mãe de muitos. Explico, ela o tipo de pessoa que todos deveriam e gostariam de ter por perto, é do tipo que move montanhas para te ajudar, que tira a própria roupa para não te deixar com frio, que passa fome para que você não passe.

Ela o tipo raro, raríssimo de pessoa que ama incondicionalmente, o tipo de pessoa para qual não há dificuldade, nada, nada mesmo é impossível. Ela está sempre pronta, disponível para o que precisar, ela é aquela pessoa que você sempre pode contar, que sempre terá uma palavra amiga, um conselho, um sermão, ela é aquela pessoa que tem mil braços, que carrega tudo, que tem a força de um touro, um não, vários, mas que tem a delicadeza do melhor cafuné e carinho do mundo, aquele tipo de pessoa que mesmo sem ter recebido o bem, o amor, a paz e o reconforto faz questão de transmitir tudo isso a quem encontra.

É o tipo de pessoa que não existe, se não nos nossos sonhos mais lindos e iluminados, e por falar em luz, além de tudo isso, ela leva luz aonde vai, nenhum lugar consegue ser sombrio com ela por perto, ela é o tipo de pessoa que te faz rir, que te faz chorar de tanto amor, é aquele tipo raro que você quer guardar em um potinho, um não, muitos, porque você quer multiplica-la para nunca a perder. Não, você nunca nunca vai querer perde-la. Ela é o tipo de pessoa que não se perde, é o tipo que ajuda a você se encontrar, é como uma estrela guia, como um farol que ilumina o caminho de quem passa por ela.

E ela é assim com todo mundo, não só comigo que nasci da sua barriga, que escolhi sua alma para ser minha melhor amiga a mil anos atrás. Ela é incrível com todos, e isso a torna ainda mais incrível e rara. Mas eu tenho a sorte, a sorte grande de ter nascido a 26 anos nela, com ela, por ela. Ela também nasceu como minha mãe, e não sei se ela era tudo isso antes ou se aprendeu com esse amor maior que é ter um filho a ser mãe, não só minha, mas de muitos.

Não importa, em verdade, quando foi que ela se tornou o que ela é, importa ela ser assim, importa ela se perceber assim, se amar assim, se entender assim.  E se valorizar, porque sem ela, eu não estaria aqui, porque sem ela o mundo seria um lugar menos bom, muitas pessoas não teriam em quem se inspirar, eu não teria quem amar desse jeito, não haveria tanta alegria, tudo seria deixado para depois, e depois não existe. Nada então existiria como é. Sem ela o mundo perderia parte de sua graça e encanto.

Há 26 anos, nascíamos ela e eu, e como sou grata por isso, como agradeço ao universo, como agradeço a ela, ao meu paizinho querido, ao encontro de alma dos dois, ao nosso encontro de alma de família, família linda que eu mais amo no mundo.

Que nosso amor seja infinito, assim com o dia em que eu nasci no mês das flores, num dia de sol que brilha como ela.


07.11.2017 um dia antes de nascermos.
BCC

segunda-feira, 10 de julho de 2017

A bailarina


A bailarina

                                  Por B.C.C

Essa menina tão pequenina quer ser bailarina”, uma lágrima pendeu de seus olhos quando eles se reencontraram com o verso de Cecília. Também ela era Cecília, e aquele poema de infância representava sua vida.
Desde a mais tenra idade se lembrava de que queria ser bailarina, aquilo não era um capricho de criança, mas o sonho de uma vida. Convenceu, não sem muito custo, sua mãe a colocá-la numa escola de balé, e, com seus sete anos iniciou a mais linda fase que ela jamais sonhara. Passou a infância e a adolescência inteiras dançando, nada mais importava para Cecília, tudo era a música e seu corpo deslizando por ela.
Com o tempo, o amor só fez crescer, menina-mulher continuava a dançar com a alma, encantando a todos com sua arte, mas a vida nem sempre generosa lhe deferiu um golpe quase fatal, teve de largar a dança “para começar a viver de verdade” – foram as palavras que lhe disseram. Cecília, no entanto, deixou de viver quando parou de dançar, agora anos mais tarde, muitos anos mais tarde reencontrava com aqueles versos que exprimiam sua alma e qual não foi sua surpresa a achar neste mesmo livro de sua poetisa preferida, uma foto antiga, desgastada já pelo tempo – sua última foto como bailarina.
Era já moça, estava linda, a foto fora tirada após o último espetáculo de sua vida, estava radiante naquele dia, interpretava a fada açucarada de Tchaikovsky, personagem cobiçado por muitas na companhia. Conseguira após todos aqueles anos, um papel de destaque por seu esforço e trabalho árduos, e como era belo vê-la dançar, Cecília flutuava pelo palco e parecia voar por entre a música, tudo se encaixava e o encantamento tomava conta de todos os presentes.
Ao olhar a foto, porém, Cecília sentiu um amargor tão profundo, que era como se toda aquela terrível sensação de ter de parar de dançar voltasse a lhe consumir o restante de alma que sobrara. Fora como se tivessem lhe arrancado o coração do peito, doía-lhe até mesmo no corpo, e durante muitos e muitos anos ela não pôde nem ouvir falar em dança ou algo lhe remetesse àquele mundo, ao seu mundo.
Mas tantos anos depois, ela ainda sentia todo o amor que a foto representava, ah! Como desejava voltar no tempo e jamais ter parado de dançar houvesse o que houvesse. Como gostaria de estar ainda com aquele vestido, com as sapatilhas nos pés e dançar, simplesmente dançar por toda eternidade. Mas agora, ela já estava velha, não poderia mais dançar, pensou com tristeza. Ou poderia?
Numa súbita agitação, Cecília levantou-se e pôs-se a buscar desesperada algo em seu armário, na prateleira mais alta de todas, ela achou uma caixa grande empoeirada, retirou a caixa com todo cuidado, sentou-se em sua cama e se deteve alguns minutos apenas a olha-la. Depois, como que criando coragem, retirou a tampa como se fosse encontrar o que de mais precioso existia. Sentiu seu coração bater mais forte quando seus olhos encontraram o vestido da fada, ela o havia guardado, o retirou da caixa, será que ainda serviria em seu corpo franzino, pensou, sim, com certeza serviria. Ela o vestiu com extremo zelo como em um ritual mágico, nada poderia estragar aquele que era o seu último laço com o passado, retirou da caixa também as sapatilhas, essas eram o seu mais precioso tesouro, calçou-as em seus pés finos e já desacostumados ao sofrimento habitual que vivera todos aqueles anos, ainda assim, pareceu que nada tinha mudado, seus pés se regogizaram com o espaço tão apertado que massacrava os dedos numa relação de amor e dor que só quem dança pode realmente conhecer.
Depois, foi para frente do espelho, ficou com receio, é verdade, mas se olhou e viu, viu que ainda estava lá, que ainda estava viva, que não havia morrido. Ela era Cecília ainda, era bailarina ainda, e ninguém jamais poderia tirar isso dela. Em um rápido movimento penteou os cabelos como estavam na foto e colocou o CD do Lago dos Cisnes. Agora, poderia voltar a viver. Dançou, dançou como se nada mais importasse, e em verdade, nada importava mesmo, só sua dança, só sua dança permaneceria por toda eternidade e assim Cecília viveu e assim Cecília morreu.


10.07.207
Ilustração por Di

Caótica harmonia

Sexta-feira à noite, setembro, preâmbulo da primavera, espetáculo em  3 tempos, música clássica.  Na última peça, sinfonia número 01 de Schu...