sábado, 30 de dezembro de 2017

Morte em vermelho


Não matarás, já dizia o mandamento.
Mas isso vale para tudo, tudinho mesmo?
Vale até para um pernilongo que zune em meus ouvidos às 02h37 da madrugada?
Vale para esse ínfimo inseto que encontro de novo às 7h da manhã no banheiro do hotel e que insiste ainda em zunir impaciente, inquieto voando sem descanso pelo espelho, pelo box, pelas paredes?
Penso durante um segundo, e o tempo parece curto, é verdade, mas meu instinto... seria ainda instinto animal da época em que matávamos por necessidade? Ou seria uma vingança infantil e tola? Não sei.
Mas decido matá-lo e depois, não sei se me sinto culpada, se deveria ter pensado noutra solução. Como o tiraria do banheiro, por exemplo, para o soltar na "natureza"? Seria isso possível? Ele não voltaria? Não é sua sina, seu instinto procurar por alimento? Satisfazer sua sede de sangue?
Bom, o sangue, este mesmo, talvez meu, talvez dele, manchou de vermelho a já vermelha sola de meu chinelo.
Gosto de vermelho.
Foi tudo muito rápido, ele voando inquieto, parecendo perdido, desnorteado atravessou o caminho de meu chinelo no ar e caiu no chão, próximo a parede; confesso que meu olhar 'assassino' não é dos melhores (embora a mira seja muito boa), então não soube reconhecer de imediato se o tinha acertado. Vi no chão um corpinho estranho e para ter certeza de que tinha acertado minha vítima (ou seria meu algoz? Que lembrem, zuniu em meus ouvidos, me acordando de madrugada e estava sedento por meu sangue), pisei nele com o mesmo chinelo que o acertara no ar.
Constatei aliviada que se tratava do corpo morto, quando, já com o chinelo em minhas mãos novamente, vi a mancha vermelha, a pequenina mancha vermelho escarlate que coloria ainda mais de vermelho meu chinelo da mesma cor.
Já disse, gosto de vermelho.
BCC
30.12.2017

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