quinta-feira, 27 de julho de 2017

A Fonte - I


Estava deitada na rede que fica pendurada entre duas pilastras do pátio. Lia, isto é, quando meus olhos não fechavam. Entre uma página e outra cochilava, então despertava e lia novamente até cair no sono de novo. Foi numa das vezes que meus olhos se abriram que olhei para a fonte no centro do pátio. Estava vazia e desligada, os empregados limpavam-na. Não era uma fonte comum, tinha três camadas, a primeira, mais externa era funda tinha pouco mais de 1,5 m de profundidade. Quando eu era pequena, foram muitas as vezes que desejei mergulhar, algumas por calor, outras por brincadeira, imaginação, acreditava que aquela fonte era mágica que ali há muitos anos habitara uma sereia que fora transformada em menina e essa menina obviamente era eu. Desejava entrar na fonte para virar sereia de novo. Nunca tive coragem, ficava só a imaginar como seria a vida de sereia em uma fonte encantada tão linda e deslumbrante como aquela. Sim, aquela dos tempos de outrora, hoje a fonte está suja, velha e com manchas que talvez nem os produtos mais eficientes possam tirar. São marcas do tempo, marcas que nunca se apagam.

Depois voltei os olhos para o livro, não demorou muito para que eles tornassem a fechar. Só se abriram com um barulho bem baixo e distante de passos. Me sentei. Um dos empregados voltava em direção a fonte.

- Você precisa de algo? – Indaguei.

Ele deu meia volta e caminhou retornando em minha direção. Não acreditei no que vi. Aquele corpo moreno, cor de bronze, da cor do pecado, coberto por um macacão sujo e desajeitado que deixava à mostra braços musculosos, além dos ombros e uma parte do tórax e que peitoral.... Baixei o olhar, calçava galochas pretas por cima do macacão.

- Desculpe, eu não queria acordar a senhora.

Meus olhos encontraram seu rosto. Era tão lindo, tinha olhos castanhos esverdeados meigos e de uma aparente inocência que comovia, a boca, no entanto, trazia sensações completamente contrárias, era carnuda de um vermelho provocativo e sensual, o nariz nem grande nem pequeno, na medida certa. Ele era o que antigamente chamavam de deus grego. Não sei bem se era exagero meu já que há muito não via homens ou se ele era perfeito mesmo.

- Ora! Imagina, você até me fez um favor, o livro não estava interessante e acabei cochilando, mas não posso dormir de dia se não perco o sono a noite.

Mentira, não podia admitir que era o livro que não estava interessante e sim eu, desinteressada não só do livro, mas também da vida. Quanto a perder o sono, outra mentira, nos últimos anos o que eu mais fazia era dormir. Acho até que estou virando uma gata daquelas bem preguiçosas, não posso encostar em algo que já adormeço.


- Neste caso, – disse ele sem graça – vim entregar isto.


Continua...

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