quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Uma existência para existir

Uma existência para existir
                                                             Por BCC
Dizem que as crises são geradoras de transformações que do caos nascem as estrelas que a calmaria vem depois da tempestade. É verdade, às vezes precisamos de certas sacudidas para entrarmos novamente no prumo. Questionamo-nos sobre tudo, sobre o sentido de estarmos aqui, sobre os porquês, as verdades... E, se, deixarmos, essas questões acabam nos afundando, trazem à tona angustias, receios, medos, inseguranças. Então devemos viver sem pensar? À mercê do tempo e da vida? Não, também isso nos rebaixa tanto (e talvez mais) quanto as questões trabalhadas de maneira equivocada.

É mister que nos questionemos, somos seres pensantes, queremos entender, saber, conhecer, isso faz parte de nós, mas os questionamentos devem ser mais para nos elevar e menos para nos rebaixar. Para tanto, devemos ter plena consciência de que não encontraremos respostas para tudo do jeito que gostaríamos, no Livro dos Espíritos são muitas as vezes que os Espíritos nos alertam de nossas limitações de linguagem e de entendimento, quando Kardec, por exemplo, questiona sobre a possibilidade do homem conhecer o princípio[1] das coisas, eles respondem categoricamente que não o poderemos fazê-lo neste mundo, portanto, não tentemos encontrar todas as respostas, não as encontraremos por agora e corremos o risco de nos sentir machucados, tristes, vazios. Tenhamos paciência e, sobretudo, aceitação e humildade em relação ao mundo e a nós próprios, como disse Paulo com sabedoria: “liquido vos dei, porque sólido não poderias digerir[2]”.

Aceitar nossas limitações não significa que devemos viver sem pensar, pelo contrário, é importante buscar, transformar, não só nas crises, mas nos momentos de alegria, na nossa vida cotidiana. Temos uma existência para existir e não temos como negá-la, existimos hoje como estamos, como necessitamos para crescer, não podemos fugir disso por mais dúvidas e anseios que se tenha, por isso, ao contrário de nos afundarmos em questionamentos revoltosos que nos levam para baixo, podemos sentir gratidão por estar vivo por estar aqui e agora, por termos a oportunidade de fazer o melhor que podemos sempre com muito respeito, compreensão, humildade em relação a nós mesmos e aos outros -“tenha paciência você vai aprender”, disse sabiamente uma palestrante certo dia. 

Trata-se de um processo de crescimento, de aprendizado constante e diário.
Conhecer é condição necessária junto com a vontade para se fazer o Bem, para evoluir – nós renascemos no nosso entendimento constantemente – a realidade pode ser modificada de acordo com a lente do observador, por isso a importância do esforço de se alinhar pensamento e vontade em prol do Bem – do nosso bem, do bem do nosso próximo, do bem do mundo.

Devemos, como pregava Jesus, procurar olhar tudo com olhos de ver, transcender o banal, buscar algo mais no que nos ocorre ou deixa de nos acontecer, para isso contamos com uma importante aliada: a gratidão, ela nos ajuda a enxergar as coisas ocultas, a transcender significados, e assim tornamo-nos cada vez mais gratos por fazer parte de tudo isso – o efeito último torna-se causa primária em uma relação de recursividade. Com a gratidão, o estudo[3] e a reflexão vamos trilhando caminhos que nos aproximam de Deus.

Descartes em Meditações sobre a Filosofia Primeira de 1641 traz: “sou alguma coisa a mais do que eu próprio reconheço e, todas aquelas perfeições que atribuo a Deus, estão de algum modo em mim, em potência...”. Este excerto emociona porque, pensado há tanto tempo, é absolutamente atual, simples e profundo.

Deus é amor, nós temos esse amor em potência, temos tudo divino em potência em nosso Ser. Somos, simplesmente, assim como Deus é. Tudo está em nós, esse ente (essa forma de representação especifica de cada encarnação) está lutando para descobrir a essência que existe nele mesmo – a intervenção é de dentro para fora. Conhece-te a ti mesmo, já dizia o oráculo para Sócrates na Grécia Antiga, o autoconhecimento, porém, é muito trabalhoso, mas vale a pena no sentido de que tudo parte de nós e para nós volta.

A busca parte de nós para nós, é um encontro conosco mesmo – cada transformação que vamos sofrendo é no sentido de nos aproximarmos do que somos –  por isso, a busca e o encontro são em verdade a mesma coisa, nós chegamos a nós mesmos.

E, uma vez que aqui estamos temos o dever e a necessidade de viver, de continuar. “Existo, porque insisto” disse alguém com inspiração, há uma força em nós que nos impulsiona, que nos faz continuar, que nos mantem. E o que é a fé, se não acreditar plenamente na essência divina que somos, na criação de Deus que somos.

Nós fomos criados por amor e para o amor, temos uma destinação, somos o amor em potência ou ainda o amor divino que está em nós em potência. Podemos voar, se nos encontrarmos a nós mesmos deixando Deus ou essa essência divina que somos agir.
Jesus como Espírito evoluído vivenciou plenamente, quando estava homem encarnado entre nós, esse amor, essa ação divina. Mostrou a unidade da essência, a ligação intima com a fonte que nos gerou – vós sois deuses[4], eu e o pai somos um[5] disse, mostrando-nos que temos possibilidades. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus[6] em essência divina, o Ser que cada um é, é semelhante a Deus.

Vivamos, pois, como viajantes valentes buscando a nós mesmos, à nossa transformação diária e constante sem ansiedades e culpas, respeitando o nosso próprio tempo e o ritmo dos outros – cada um de nós vê de uma maneira diferente, todos agimos de acordo com nossa bagagem – cada vez mais com fé, com certeza, serenidade, aceitação, humildade e amor. E, nos lembrando sempre de que o que lançamos no universo volta para nós.



[1] LE questão 17.
[2] Coríntios 3:2
[3]  Muito dessa reflexão nasceu do que estamos filosofando no curso de Filosofia Espírita.
[4] Salmo 82:6; João 10:34
[5] João 10:30
[6] Genesis 1:26-28

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