domingo, 14 de maio de 2017

O ladrão que veio do céu - VI

A noite

José e Gueixi começaram a subir a montanha. Demoraram muito, muito mais do que José pretendia, Gueixi parava a todo instante, encantava-se com a beleza e a magia daquela privilegiada vista. Olhava para a floresta, para os pássaros, para o céu... nele encontrou o sol que lindo estava naquele finalzinho de tarde, preparava-se para dormir e fazia questão de mostrar-se da mais bela maneira para não correr o risco de ser esquecido enquanto a lua desfilasse.

Gueixi jamais o esqueceria, jamais esqueceria aquela montanha e tudo que ali presenciou. Sua alma estava tão feliz, tão maravilhada que não conseguia parar de sorrir. José, por sua vez, amava ainda mais a natureza, pois estava na companhia de mais uma obra-prima do criador. Apenas a excessiva demora preocupava-o, já era tarde e a noite aproximava-se ele queria estar em casa antes do sol adormecer, não gostava da noite.
Finalmente chegaram:

- Que linda casinha! – exclamou Gueixi.

- Obrigado! Vamos entre... – convidou José.

O escuro logo tomou conta da montanha, Gueixi observava a noite pela janela:

- Vamos lá fora?

José negou, não queria contraria-la, mas tampouco não gostava de sair neste horário. Gueixi decepcionou-se, amava a noite, a lua, as estrelas, o negro azul do céu, do topo da montanha a vista deveria ser ainda mais bela. Suas feições, no entanto, logo se transformaram.

- Bom, você irá perder todo o encantamento da lua – disse com um sorriso dirigindo-se a porta.

Ela mais parecia uma borboleta a voar pela noite mostrando a todos sua liberdade, não temia nada, pulava e dançava com as estrelas e refletia a beleza da lua. José parado ao pé da porta conferia a felicidade da companheira.

- Ora, porque você não vem? – a moça perguntou.

- Não gosto muito da noite – limitou-se a responder.

- Mas como pode não gostar da noite? É tão bela, tão magnifica é a outra face do dia...

- Não sei, talvez seja por medo.

- Medo? Medo do quê? Você não teria medo dos animais, muito menos da floresta, você vive tão em sintonia com tudo. Não poderia ser medo do escuro também, desse negro azul imantado de pontinhos luminosos a nos guiar, tampouco medo da lua... sinceramente, não imagino o que você poderia temer.

- Talvez de uma noite, da lembrança de uma noite... – respondeu José cabisbaixo.

Um profundo silêncio se fez ouvir, Gueixi olhou para José com curiosidade e compaixão, seu coração batia mais forte gostaria de saber o que ocorrera queria poder ajudar de alguma maneira, não queria que José tivesse tão má impressão da noite – sua grande amiga – de uma atmosfera tão maravilhosa, logo ele que enxergava todo com olhos de ver que era tão especial que vivia em harmonia com o cosmos. Ah! Como gostaria que José enxergasse a noite como ela o fazia, o azul escuro, a imensidão, o silencio, o brilho, a luz, a cumplicidade que a noite tinha com os nossos mais íntimos segredos, a presença onipotente daquela que não dizendo nada, diz tudo que precisamos.

O coração de José também batia mais forte, nunca falara sobre aquele momento sombrio, se sentia envergonhado, queria esquece-lo fazia de tudo para isso, mas, no fundo, sabia que ainda não havia superado, não conseguia sentir o prazer pela noite, a outra face de seu amado dia. Gostaria de falar, contar à Gueixi sentia-se, porém ao mesmo tempo, incomodado, não sabia se teria coragem.

Gueixi finalmente rompeu o silêncio, tão bom em alguns momentos e tão doloroso em outros:

- Se você quiser, se isso de alguma forma te fizer bem e te ajudar, eu te ouvirei com amor. De todo seu coração você pode dividir isso comigo que eu também com todo meu coração aceitarei. Mas se preferir calar, se não sentir que é o momento, também o respeitarei com muito amor.

José olhou nos olhos de Gueixi, penetrando-os profundamente, viu neles todo aquele amor que ela dissera. Percebeu neste momento que estava pronto, pronto para se libertar, sentiu também que Gueixi o ajudaria, que seu amor puro, honesto sem julgamentos o ajudaria. Saiu, pegou em sua mão, sentaram ambos na grama à luz da lua protegidos pelo brilho das estrelas pela magnitude do marinho azul, e fez o que melhor sabia fazer – contou-lhe uma história, a sua história...


Continua...

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